8 de outubro de 2008

azul royal

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"Às vezes a leitura é um modo engenhoso de evitar o pensamento"

Arthur Helps




Descobri que ler diminui um pouco a crise de consciência por não estar estudando. Além disso, talvez a principal razão para o surto bibliográfico dos últimos tempos seja o fato de que enquanto leio não tenho tempo pra pensar. Eu sei que ler é uma atividade essencialmente mental, mas ocupar a mente com uma informação pronta me exime o peso do pensamento livre. Sim, peso. Cinco minutos de liberdade imaginativa têm a incrível capacidade de levar a uma verdadeira crise existencial. Pensar enlouquece.

Outro aspecto interessante é como o fator estético influi na minha leitura. Ontem mesmo devolvi um volume de Sagarana que havia pegado no mesmo dia, simplesmente porque achei que o livro não combinava com o livro. Aquela capa marrom desbotada simplesmente não condizia com a imagem que eu tinha dos contos de Guimarães – o sertão para mim tem cores mais vibrantes, tanto no vermelho da caatinga quanto no estonteante azul royal do céu. Sim, o céu de Augusto Matraga, na minha imaginação, é azul royal com escassas nuvenzinhas titubeantes e algumas ‘arribações’, que por certo peguei emprestadas de Vidas Secas. Foi aí que descobri que, pra mim, tudo o que está pra cima de Belo Horizonte é Nordeste...

Outra conclusão [brilhante] a que cheguei foi que ler Saramago prejudica a redação. Depois de um livro todo sem parágrafos, sem capítulos marcados e com uma pontuação nada ortodoxa, fica difícil escrever direitinho... E afinal, se ele, escrevendo daquele jeito, ganhou o Nobel de Literatura, quem a banca da Fuvest acha que é pra querer corrigir os pontos, vírgulas e ponto e vírgulas?


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Um dia desses, na contracapa de um exemplar de Morte e Vida Severina, havia uma dedicatória. Era de 67 e pelo jeito o livro havia sido um presente. Apesar da sensação estranha de invasão de privacidade flagrante, é interessante imaginar a história daquele livro, as pessoas que podem tê-lo lido durante esses 40 anos e como ele foi parar na biblioteca da universidade...

Situação parecida acontece com os grifos e anotações dos leitores anteriores. Há também os tickets da própria biblioteca: quem será Carlos Antônio Silveira? Será que foi ele quem deixou o inconfundível cheiro de cigarro nas páginas de 1984? Ou quem será Estela, a senhora mal-humorada do turno da manhã ou a simpática jovem do turno da tarde que sempre dá um jeitinho quando eu me esqueço de devolver os livros?

Isso me faz pensar que um livro carrega em suas páginas duas histórias: a impressa em tinta preta e a que não é impressa, mas deixa suas marcas com o cheiro do fumo, com o grafite do lápis, na antiga dedicatória e no papelzinho amarelo da biblioteca...




Por falar em papelzinho amarelo, da próxima vez vou perguntar o nome da bibliotecária.



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1 comentários:

Renan Carletti disse...

Incrível sua capacidade de tecer imagens com palavras. Não obstante, ainda coube lugar a críticas salpicadas como à banca da fuvest.
E quando acho que ela é magnífica simplesmente pelos olhares, sorrisos, cabelos legais de se bagunçar, beijos e abraços...
Ela vem e me deixa ainda mais surpreendido com seu jeito simples e requintado de escrever sobre coisas pequenas da vida como a capa de um livro ou mesmo a história que se esconde dentro da história.