12 de outubro de 2008

utopia [?]




Talvez seja querer demais poder saber quem somos, o que queremos, o que sentimos... O máximo que podemos conseguir são vagas impressões, podemos tentar abstrair da confusão do dia-a-dia, das atitudes impensadas e das vontades que vêm do nada o que somos de verdade. Nada vem do nada, então talvez caiba a nós tentar interpretar os ‘sinais’ que a vida dá para tentar descobrir o que ninguém pode nos dizer.


Dizem por aí que homem/mulher deveria vir com manual de instruções, mas eu já não tenho mais a ilusão conseguir entender aos outros, me contento apenas em entender a mim mesma. Um manual poderia até ajudar. Poderia dizer, por exemplo, o que significam os sentimentos errantes, as sensações estranhas, a vontade de chorar, as borboletas no estômago. Também poderia explicar porque a gente faz besteira, uma atrás da outra, depois se arrepende, chora, quer voltar atrás, quer poder dizer a frase certa, o abraço na hora certa e a hora certa de ir embora, bem antes de ter falado tudo o que não devia.


Queria poder saber o que eu quero da vida ou a vida que eu quero. A segurança ou as emoções fortes? As certezas absolutas ou o prazer da dúvida? Fazer sempre a coisa certa ou aprender errando? Voltar cedo para casa ou ficar mais um pouco, só pra ver aonde tudo vai parar? Queria saber a diferença entre o que é certo e o que é melhor para mim. E sabendo, queria ter discernimento e coragem suficiente pra poder escolher. Queria saber se valem a pena os sacrifícios. Queria saber se não é melhor jogar tudo pro alto, trocar o certo pelo duvidoso e dar razão àquela voz lá dentro que vive te dizendo: vai, é isso que você quer.


Queria poder não magoar as pessoas. Queria poder não magoar a mim mesma. Queria ser uma pessoa boa, fazer coisas boas, dizer coisas boas. Queria não usar os outros pros meus próprios objetivos. Queria conseguir não dizer tudo o que vem a mente quando estou nervosa. Queria conseguir não ser óbvia, deixando explícito, escrito na testa que estou arrependida, com raiva ou com ciúmes... Queria poder não ser rude quando na verdade tudo o que quero é um abraço longo, um olhar sincero e um até logo...


Talvez seja querer demais poder saber quem somos, o que queremos, o que sentimos.
Talvez eu queira demais.
E eu nem sei o que quero.



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8 de outubro de 2008

azul royal

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"Às vezes a leitura é um modo engenhoso de evitar o pensamento"

Arthur Helps




Descobri que ler diminui um pouco a crise de consciência por não estar estudando. Além disso, talvez a principal razão para o surto bibliográfico dos últimos tempos seja o fato de que enquanto leio não tenho tempo pra pensar. Eu sei que ler é uma atividade essencialmente mental, mas ocupar a mente com uma informação pronta me exime o peso do pensamento livre. Sim, peso. Cinco minutos de liberdade imaginativa têm a incrível capacidade de levar a uma verdadeira crise existencial. Pensar enlouquece.

Outro aspecto interessante é como o fator estético influi na minha leitura. Ontem mesmo devolvi um volume de Sagarana que havia pegado no mesmo dia, simplesmente porque achei que o livro não combinava com o livro. Aquela capa marrom desbotada simplesmente não condizia com a imagem que eu tinha dos contos de Guimarães – o sertão para mim tem cores mais vibrantes, tanto no vermelho da caatinga quanto no estonteante azul royal do céu. Sim, o céu de Augusto Matraga, na minha imaginação, é azul royal com escassas nuvenzinhas titubeantes e algumas ‘arribações’, que por certo peguei emprestadas de Vidas Secas. Foi aí que descobri que, pra mim, tudo o que está pra cima de Belo Horizonte é Nordeste...

Outra conclusão [brilhante] a que cheguei foi que ler Saramago prejudica a redação. Depois de um livro todo sem parágrafos, sem capítulos marcados e com uma pontuação nada ortodoxa, fica difícil escrever direitinho... E afinal, se ele, escrevendo daquele jeito, ganhou o Nobel de Literatura, quem a banca da Fuvest acha que é pra querer corrigir os pontos, vírgulas e ponto e vírgulas?


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Um dia desses, na contracapa de um exemplar de Morte e Vida Severina, havia uma dedicatória. Era de 67 e pelo jeito o livro havia sido um presente. Apesar da sensação estranha de invasão de privacidade flagrante, é interessante imaginar a história daquele livro, as pessoas que podem tê-lo lido durante esses 40 anos e como ele foi parar na biblioteca da universidade...

Situação parecida acontece com os grifos e anotações dos leitores anteriores. Há também os tickets da própria biblioteca: quem será Carlos Antônio Silveira? Será que foi ele quem deixou o inconfundível cheiro de cigarro nas páginas de 1984? Ou quem será Estela, a senhora mal-humorada do turno da manhã ou a simpática jovem do turno da tarde que sempre dá um jeitinho quando eu me esqueço de devolver os livros?

Isso me faz pensar que um livro carrega em suas páginas duas histórias: a impressa em tinta preta e a que não é impressa, mas deixa suas marcas com o cheiro do fumo, com o grafite do lápis, na antiga dedicatória e no papelzinho amarelo da biblioteca...




Por falar em papelzinho amarelo, da próxima vez vou perguntar o nome da bibliotecária.



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